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Navegar é preciso, viver não é preciso.



“Quero sair daqui… Estou farto deste sítio, e às vezes quero simplesmente agarrar nas minhas coisas, fazer a mala e desaparecer”.


Ouvi isto várias vezes em consultório, nunca de forma igual. Normalmente em tom de desabafo, e raramente como um plano desejável. Mas a expressão tem peso, tem significância. Acho que todos nós já passamos por situações em que tudo fica insustentável. Em que chega ao ponto que parece que a única resposta é agarrar em tudo e sair- quando só o ato de existir e conviver com outros, com o mundo, é demasiado.


Mas quando se decide que é altura de romper completamente com o berço? Sair do tudo o que é familiar? Isso decide-se efetivamente, não se planeia voltar? Como se a decisão fosse uma escolha racional e fosse um jogo de números frios?


Normalmente quando se fala em emigrar é considerando que a migração é um ato de escolha baseado em fatores externos. Seja a migração forçada (guerra, desastres naturais, etc), ou a migração por fatores sociais, financeiros, académicos ou habitacionais. No entanto, duvido que exista uma pessoa que possa dizer que o ato de sair do país tenha sido decidido sem emoção.


Na altura de sair - fica tudo para trás. Os amigos ficam para trás, a família fica para trás, as conexões com os sítios onde se “pousava” ficam para trás. Não é uma escolha fácil- e se calhar, é por essas mesmas razões que se toma a decisão de sair. Pessoalmente, quando saí temporariamente de Portugal foi por isso mesmo. A decisão foi uma decisão saudável, uma procura de me afastar da minha vida, e de procurar algo melhor, nem que fosse de forma temporária. Uma pausa.


É frequente ouvir-se falar de uma espécie de “migração espiritual”, onde a pessoa saí à procura de uma conexão com o mundo, ou uma ligação mais forte com a própria vida. O mesmo podia-se dizer em relação à vida na generalidade. Chega uma altura, que é necessário sair para encontrar algo que não “isto”. Com diferentes intensidades, com diferentes procuras, chega-se ao ponto que é necessário algo que “não isto”. Uma experiência transversal, ainda mais comum na população Portuguesa.


Migrar é uma realidade nacional. Não é por nada que somos o país da “saudade”, uma nação onde pertencer é conviver com a não pertença.

Em última análise, migrar é uma procura de algo diferente. Esperançosamente de algo melhor. Mas sempre uma procura de mudar o que não é bom naquele momento. Com a mudança fica a saudade, fica a dor de perder, e fica a noção de pertença. Migrar não é um processo fácil, não é só um processo de mudança de espaço físico, e não é só um processo decidido por fatores externos. Decididamente escolhe-se olhar para migração como se fosse de um processo burocrático, apenas dando peso a uma parte da experiência.


Quando saí de Portugal, refleti pouco, e falei pouco sobre sair. Ficou só uma noção de saudade e de identidade vaga, sobre sair. Na altura se me perguntassem nem sabia especificamente o que me levou a sair de Portugal. Hoje retornado, percebo melhor.


Quão comum é não falar sobre isto? Quão comum é não perceber as razões que nos levam a sair?

Questiono-me até que ponto vamos olhar como sociedade para uma decisão tão profundamente impactante para a nossa vida, como se fosse um processo calculista.


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