Os Jogos Olímpicos sempre foram um palco para celebrar o ápice do desempenho humano, mas ultimamente temos visto uma mudança de foco: a superação de doenças mentais dos atletas.
© REUTERS - BENOIT TESSIER
Embora seja inegável que a saúde mental é um tema crucial, há algo perturbador no tom com que os media e o público tratam estas histórias. Será que estamos a enaltecer a doença mental como um requisito para o heroísmo?
Por que é que só damos atenção ao sofrimento dos atletas quando é convenientemente romantizado como uma narrativa de superação? Isso não minimiza a luta diária de milhões que não têm uma medalha de ouro para validar a sua dor? Para além disso, há aqueles que se aproveitam destas histórias para amplificar a sua própria presença nas redes sociais, numa demonstração de oportunismo disfarçado de empatia. Ao transformar a doença mental num espetáculo, corremos o risco de esquecer que a verdadeira vitória não está em conquistar o pódio, mas em encontrar equilíbrio e bem-estar, longe dos holofotes.
A contradição da sociedade é evidente em casos mediáticos como o de Simone Biles. Nos últimos Jogos Olímpicos, quando ela se retirou para cuidar da sua saúde mental, foi vista como uma heroína, frágil mas corajosa. Agora, depois de ganhar várias medalhas, voltou a ser colocada no patamar de heroína e "mulher de ferro", como se nunca tivesse tido ou continue a ter desafios de saúde mental. Este tipo de narrativa simplista e contraditória não só desrespeita a complexidade da saúde mental, mas também perpetua a ideia errada de que o sucesso apaga ou resolve todos os problemas.
Para melhor reconhecermos quem tem desafios de saúde mental, cada um de nós pode adotar algumas mudanças comportamentais. Praticar a empatia genuína, compreendendo que a saúde mental é uma batalha diária, independentemente de vitórias ou derrotas públicas. Devemos também evitar glorificar ou simplificar as experiências de quem está exposto socialmente, reconhecendo a coragem envolvida em enfrentar tais desafios de forma pública.
Por fim, é essencial apoiar uma visão mais holística e contínua da saúde mental, lembrando que um momento de triunfo não apaga as dificuldades anteriores e que o apoio deve ser constante. Somente assim poderemos construir uma sociedade mais compreensiva e solidária, e menos focada no que o Outro vai pensar do que dizemos ou fazemos.
Afinal de contas, no meio do turbilhão que é falar-se de saúde mental, já basta haver quem fala de saúde mental com tanta legitimidade sem ser profissional de saúde, nomeadamente de psicologia ou psiquiatria, quanto mais falar-se de casos que não se conhece mais do que a superficialidade pública do que normalmente são batalhas de uma vida.
Francisco Valente Gonçalves
Diretor RUMO.Solutions
Comments