O que podemos fazer para aprender a conviver e tirar vantagens da ansiedade, surge como pergunta. A resposta não é comprar todo o curso que diga “acaba com a ansiedade em 5 passos”, nem é “vai já ao psicólogo”. A resposta é: depende. Sendo que a segunda hipótese não é algo fundamentalmente errado de se fazer, já a primeira…
Hoje tive um sonho curioso, sonhava que era maestro. Daqueles com cabelo grande, que exacerbadamente está despenteado, quer seja pelo esbracejar de uma peça com um andamento mais tempestivo, quer seja porque está mesmo imbuído no que está a fazer, e o seu corpo é nada mais, nada menos, do que uma ferramenta de orientação para o resto da orquestra. Acordei a rir. Mas nem sempre é assim. Há dias que acordo mais preocupado, com coisas que têm de ser resolvidas, a nível pessoal ou profissional, e que tenho plena consciência das mesmas. Outros, acordo sem saber bem o que me preocupa, mas sinto-me nervoso.
Em 2018 fui ao hospital quando pensava que estava a ter um ataque cardíaco. Estar nas montanhas na Suíça, a cerca de 20 quilómetros do hospital mais próximo, deve ter ajudado a ficar ainda mais nervoso, pensando que me poderia estar a acontecer algo de muito grave, quando na verdade era “apenas um ataque de pânico”, como ouvi, em português, dito por um enfermeiro que escolheu o sistema profissional da Suíça em vez de ficar em Portugal. Não sei se ainda estará por lá, mas foi mesmo confortável ouvir uma voz e uma frase que sendo tão insensível, na altura foi tão confortável.
Até então nunca havia tido um confronto direto com a ansiedade, esse fantasma da saúde mental e que afeta quase 3% da população (não fiz as contas, mas digamos que são muitos milhões de pessoas no mundo). No entanto, há qualquer coisa de estranho que venho a sentir ao longo do meu processo terapêutico, e da minha experiência enquanto psicólogo. Ambas cruzam-se, e alimentam eventuais enviesamentos cognitivos – que fique claro – mas ainda assim, faz-me refletir algumas questões.
A vontade de acabar com a ansiedade das pessoas. Vejo várias pessoas, algumas que são profissionais de saúde mental, outras que são apenas curiosas (não levemos a mal ou de forma diminutiva a palavra “apenas”, mas é o que é), e que tendem a promover uma mensagem de que é necessário eliminar a ansiedade das nossas vidas. Pergunto-me se isso faz algum sentido, e mesmo tendo feito 20 quilómetros numa ambulância a hiperventilar no meio das montanhas da Suíça, a conclusão a que chego é a de que não faz sentido algum. Tenho de repetir, não faz sentido algum acreditar que a ideia de acabar com a ansiedade é algo positivo.
Aliás, acabar com a ansiedade parece-me algo contranatura. Vejamos, a ansiedade, é por definição uma emoção caracterizada por sentimentos de tensão, pensamentos de preocupação e alterações físicas como aumento da pressão arterial ou rigidez do tónus muscular. Esta é uma definição da American Psychological Association com pontos que adiciono da minha experiência.
Foquemo-nos na primeira parte da definição, que nos diz que a ansiedade é uma emoção. Será saudável que eu elimine emoções? A resposta mais confortável poderia ser “claro que sim! Digam-me como agora!”, mas por alguma razão o nosso vocabulário emocional tem um registo positivo e um registo negativo. Se eu não souber o que é a tristeza, se eu não (re)conhecer a tristeza e não aprender a conviver com a mesma, como posso reconhecer a alegria? Gosto sempre de pensar no filme de animação Inside Out quando falo da necessidade de conhecermos todas as emoções, e de sabermos identificar o que acontece quando sentimos cada uma delas. É impressionante o conhecimento que ganhamos do nosso self quando o fazemos.
Então para que serve a ansiedade, perguntamos, enquanto abrimos um vídeo do Youtube que nos diz que conseguimos acabar com a ansiedade em 30 segundos. A ansiedade, serve, acima de tudo, para o nosso corpo nos avisar que algo importante está a acontecer, ou eventualmente aconteceu, e que nós devemos (mesmo!), prestar atenção a isso.
Vejamos, a ansiedade e toda a sintomatologia da mesma, estão regra geral associadas à função da nossa amígdala (não as da garganta, mas a do cérebro, que controla a ansiedade e o medo por exemplo). A investigação científica já veio demonstrar que mais regiões cerebrais têm outras funções diferenciadas neste tipo de processo. Vou deixar para quem quiser explorar em maior profundidade este artigo da Nature.
Onde é que íamos?
Ah, na parte da ansiedade e da sua importância!
Se olharmos para a forma como os animais que são presas ou predadores se comportam em determinados eventos, observamos que entre vários momentos, existe uma espécie de alerta no seu organismo. Será que diminuir ou eliminar essa função seria producente para a sobrevivência da espécie?
Deixemos os animais e os exemplos que lembramos dos episódios de sábado de manhã do National Geographic, e lembremos situações do nosso dia-a-dia, por exemplo. Alguém que vai entrar em palco, quer seja porque essa é a sua profissão, quer seja porque vai fazer uma apresentação, alguém que está neste momento a ter uma conversa mesmo difícil com uma chefia, ou com a pessoa com quem tem uma relação íntima. Forcemos a corda, alguém que foi neste momento acabado de se apanhar em flagrante delito. Mãos suadas, taquicardia, rigidez muscular, confusão mental. Conhecemos os sintomas, não conhecemos? Pois é, ansiedade.
Outra vez. A ansiedade, não é uma coisa má. É um alarme que às vezes toca sem nos lembrarmos que estava programado tocar aquela hora e naquele lugar.
Quantas pessoas têm um pico de ansiedade num momento de descompressão, e pensam, mas estava tudo bem, não havia problema nenhum naquele momento, não percebo porque tive um ataque de pânico. Não raras vezes, se fizermos um rewind nos eventos significativos da vida daquela pessoa, vamos, com certeza, encontrar momentos em que o corpo da pessoa, e a sua mente, encheram tanto, que foi absolutamente necessário descomprimir. É o que esse alarme quer dizer, que é tempo de parar e pensar no que aconteceu.
É natural que existam exceções. A investigação também já demonstrou que em alguns casos há, de facto, melhorias significativas após uma intervenção cirúrgica para ajustar a forma como a nossa rede neuronal conduz informação associada a determinados estímulos que nos deixam ansiosos. Mas são exceções. São casos de extrema dificuldade e onde há um desequilíbrio prolongado a nível orgânico que se manifesta no comportamento.
Seria saudável viver na matrix onde exista um blue pill e um red pill, que nos permite esquecer tudo o que não gostamos? Não tenho a certeza, mas tendo a acreditar que não. E em seu devido tempo, aquela panela com água a ferver, há-de vir toda por fora.
O que podemos fazer para aprender a conviver e tirar vantagens da ansiedade, surge como pergunta. A resposta não é comprar todo o curso que diga “acaba com a ansiedade em 5 passos”, nem é “vai já ao psicólogo”. A resposta é: depende. Sendo que a segunda hipótese não é algo fundamentalmente errado de se fazer, já a primeira…
O mais importante é aprendermos a conhecermo-nos. Conhecer os nossos receios, os nossos padrões comportamentais e as nossas respostas, é um excelente primeiro passo.
Se fazemos isso em conversa com amigos, usando algum tipo de material, pensando nisso durante uma atividade de expressão artística, enquanto fazemos desporto, ou quando estamos numa consulta de psicologia, não é o mais relevante. Ter a capacidade de conseguir ganhar essa consciência, é um excelente primeiro passo.
Ter capacidade de mostrar a vulnerabilidade ao outro. As pessoas não têm ideia do quão mais fácil é gerir um ataque de pânico no meio de um grupo de pessoas num jantar, se em privado pedirmos a alguém para ir connosco ao quarto de banho, ou ao exterior, e dissermos “epá, não me estou a sentir bem, e o pior é que não faço ideia porque é que isto está a acontecer”.
Partilhar a vulnerabilidade é um passo de extrema importância. Não somos super-pessoas. Somos pessoas. Sofremos, sorrimos, sentimos emoções. Devemos partilhar as mesmas mais, parece-me.
Ter um espaço onde possamos pensar nisso é importante. Há quem use a sessão de psicologia durante algum tempo, há quem vá a meia dúzia de sessões aprender algumas estratégias e depois vai experimentar as mesmas de forma autónoma.
E se ainda estamos a acompanhar este texto, é claro que já ouvimos falar de meditação. Vou apenas deixar uma nota que costumo, em tom de brincadeira, dizer às pessoas que recebo em consulta. Ninguém está à espera de que nos transformemos no próximo buda. Meditar 5 minutos é suficiente. Se conseguirmos 10, excelente. Se em alguns dias fazemos de manhã e à noite, é incrível! Um bom primeiro passo para meditar é começar por aprender a respirar com o diafragma.
A investigação neurológica já demonstrou que apenas 5 a 10 minutos de respiração diafragmática altera a forma como o nosso cérebro funciona – basicamente as ondas cerebrais alteram-se, surgindo uma atividade cerebral mais focada no momento presente, o que nos permite alcançar um grounding ao momento presente.
Enfim, mais haverá para dizer sobre o lado positivo da ansiedade. Talvez este seja o primeiro passo para aprendermos a dar um abraço maior à ansiedade, carinhoso (para nós!), do que deixarmos que seja a ansiedade a abraçar-nos, com demasiada força, deixando-nos sem conseguir respirar.
Psicólogo Clínico e Diretor RUMO
Excelente texto!!!